FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O sentido jurídico da palavra fonte não difere daquele que lhe é
atribuído cotidianamente, de seu significado corriqueiro. Fonte, assim, é sinônimo de
nascente, origem, causa.
O Direito, como as demais ciências culturais, tem sua origem na
inteligência humana. O Direito não é fenômeno decorrente diretamente da natureza.
Para que seja revelado, mister faz-se atos intelectivos, os quais somente provêm dos
homens.
Por certo que alguns juristas empregam o termo Direito Natural em
contraposição com o Direito Positivo. Este seria criado pelos homens; aquele
decorreria da própria natureza das coisas, sendo anterior à própria sociedade, imutável
e uniforme, à margem do tempo e da mente. Tal entendimento estende a aplicação
das normas de Direito Natural a todos os seres vivos, ainda que irracionais.
Ora, o Direito nada mais é do que uma processo de adaptação social utilizado pela
sociedade para sua própria manutenção, ante os inevitáveis conflitos de interesses
intersubjetivos ou coletivos que ameaçam sua existência. Direito só há, portanto, onde
há sociedade (ubi societas, ibi ius). Caso só existisse uma pessoa no mundo, ou
somente seres irracionais, tornar-se-ia desnecessário o Direito, pois não haveria
qualquer conflito de interesses a ser composto, razão única de sua existência.
Não se pode entender, portanto, o Direito Natural naquela acepção clássica acima
mencionada. Como bem acentua Norberto Bobbio, a história do direito natural é uma
grande evasão, seara pela qual enveredaram os juristas em busca de uma crença que
os forçassem a admitir em bloco uma idéia, uma opinião, uma explicação, uma idéia,
as quais não poderiam ser retiradas do Ordenamento Jurídico Positivo.
Embora se tenha contestado o conceito clássico de Direito Natural, não se estar
negando sua existência. O que tentamos demonstrar é a falsidade da origem imediata
que lhe é atribuída (natureza ou, simplesmente, fatos). O Direito Natural decorre, assim
como o Direito Positivo, da consciência humana, embora de sentimentos remotos
(muitas vezes denominado instintos) comuns a todos os povos e imutáveis com o
transcorrer do tempo. Nesse sentido pode-se admitir como correta a definição dada ao
Direito Natural por Sigismond Cybichowski : princípios criados pela teoria e pela
prática com o fim de melhorar o direito positivo, ou de lhe preencher as lacunas.
Sendo a inteligência humana fonte primária do Direito, várias formas há
como pode ser expressa. Estes veículos através dos quais pode ser revelado o Direito
serão estudados adiante. Cuidar-se-á, no entanto, somente daqueles afetos ao Direito
Internacional Privado: a lei, os tratados e convenções internacionais, o costume, a
doutrina e, por fim, a jurisprudência.
LEI
Apesar da denominação, o Direito Internacional Privado tem a natureza
da direito interno, pois estar-se a determinar qual o ordenamento jurídico aplicável a
solução dos litígios decorrentes de relações jurídicas de direito privado com conexão
internacional. É, por via de conseqüência, composto, na maior parte, por leis nacionais
(internas), adequadas às peculiaridades de cada ordenamento jurídico.
No Brasil, o maior número de normas de direito internacional privado
encontra-se na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de
04.09.1942), as quais necessitam de reformas urgentes, a fim de adequá-las a maior
complexidade das relações de direito privado com conexão internacional decorrentes
da globalização.
TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
Tais institutos jurídicos possuem natureza internacional, o que os tornam
meios idôneos à criação de um Direito Internacional Privado Uniformizado. Contudo,
em relação à matéria em estudo interessa, tão-somente, a eficácia interna destes
acordos internacionais, vez que seus efeitos irradiar-se-ão sobre as relações jurídicas
de direito privado com conexão internacional.
Constituindo-se a República Federativa do Brasil em um Estado Democrático, isto é,
naquele em que todo poder emana do povo, as pessoas que se encontram no território
nacional somente podem ser obrigadas a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em
virtude de lei, cuja legitimidade funda-se no consentimento popular o qual é
manifestado direta (plebiscito, referendum e iniciativa popular) ou indiretamente (por
intermédio de seus representantes Deputados Federais).
Portanto, para que as normas de Direito Internacional Privado previstas
em acordos internacionais sejam aplicáveis aos particulares que se encontrem no
Brasil, é mister o consentimento popular, o qual é manifestado através da ratificação
do acordo pelo Congresso Nacional (CF, Art. 84 VIII). Outrossim, o acordo
internacional somente adquire eficácia após sua promulgação e publicação pelo
Presidente da República, atos estes condicionados à troca ou depósito das cartas de
ratificações entre os países signatários (condição suspensiva).
É ponto pacífico que os tratados e convenções internacionais devem
obediência à Constituição Federal, estando, inclusive, sujeitos ao constitucionalidade.
Problema de grande relevância e de constantes divergências doutrinárias e
jurisprudenciais, contudo, é a posição hierárquica dos acordos internacionais diante
das leis ordinárias. Alguns entendem que o acordo internacional está no mesmo nível
hierárquico que as leis ordinárias, podendo, portanto, ser alterados pelas leis que lhe
forem posteriores; outros, porém, afirmam que os mesmos equiparam-se à lei quanto a
sua obrigatoriedade, mas é-lhe superior quanto à revogabilidade, não podendo,
destarte, ser modificado ou revogado por lei ordinária posterior.
Uma terceira corrente, adotando posição intermediária, distingue entre tratados
bilaterais e multilaterais (convenções), afirmando que aqueles prevalecem sobre a lei
ordinária posterior, face ao princípio internacional Pacta Sunt Servanda (os acordos
devem ser cumpridos); enquanto aqueles, que possuem caráter normativo, aos quais
podem aderir outros Estados, equiparar-se-iam à legislação ordinária, podendo por
esta ser revogados.
A segunda corrente mostra maior coerência, apesar do Supremo Tribunal Federal ter
adotado a tese oposta. Quando da celebração de tratados ou convenções
internacionais o Estado, valendo-se das prerrogativas de sua soberania, limita-a,
obrigando-se à agir de determinado modo, sob pena de responsabilização
internacional. Isto ocorre tanto nos tratados stricto sensu como nas convenções
internacionais, pois ambos formam a denominada legislação coordenada, isto é,
aquela criada por Estados soberanos mediante acordo de vontades, sem imposição de
qualquer espécie, devendo, portanto, ser obedecidas (Pacta Sunt Servanda).
Por outro lado, o instituto próprio para a desvinculação do Estado às normas
convencionadas é a denúncia, ato da competência exclusiva do Presidente da
República (CF, Art. 84 VII e VIII). Logo, admitindo-se como correta a segunda tese,
estar-se equiparando a edição de lei ordinária posterior à denúncia do acordo.
Embora possuindo enorme potencial para a uniformização do direito internacional
privado, os acordos internacionais ainda são pouco utilizados pelo Brasil, e, os que
são, não têm a devida aplicação, seja por sua generalidade, seja, talvez, por
desconhecimento por parte das autoridades judiciárias competentes.
Atualmente o Brasil ratificou apenas cinco convenções elaboradas pela Conferência
Especializada Interamericana de Direito Internacional Privado, das quais a mais
importante é o Código Bustamante, de 20.02.1928, promulgado pelo Decreto nº
18.871, de 13.08.1929.
COSTUME
Dada a precariedade das normas positivadas de Direito Internacional
Público, surge a necessidade de preencher-se as lacunas jurídicas. Um dos métodos
de integração do Direito é a aplicação subsidiária do costume, entendido como tal o
comportamento adotado de forma generalizada (universal) e unânime com a convicção
de sua obrigatoriedade (opinio necessitatis).
Diferençando as normas jurídicas das costumeiras, Cogliolo, citado por
Amílcar de Castro, afirma: há que fazer profunda distinção entre norma
consuetudinária e norma jurídica. Enquanto certo uso é por todos respeitado, esse uso
é simples fato, e não direito. Passa a ser direito unicamente quando surge quem o
viole, e a fazê-lo respeitar concorram a lei, reduzindo-o a preceito, ou os juristas,
exprimindo-o ou formulando-o ou os juízes, aplicando-o coativamente.. Essa
passagem exprime, com muita propriedade, a aplicação do costume como meio de
integração do direito positivado, o que somente é viável mediante autorização legal.
Até ser prolatada decisão judicial reconhecendo a existência do direito costumeiro, o
mesmo não existe como tal, mas somente como fato que será objeto de valoração pelo
magistrado, o qual, decidindo por sua existência e consonância com a ordem pública e
jurídica, transforma-lo-á em norma jurídica concreta, a qual regulará a situação
submetida a juízo. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o julgador não
está criando direito, mas, tão-só, aplicando a norma jurídica que determinou o emprego
do costume para composição do litígio. Daí a afirmação de Incilio Vanni : o costume
só é fonte de direito quando reconhecido pelo Estado.
Prevê o Art. 4º da LICC, verbis: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Logo,
é plenamente possível, em nosso sistema jurídico, a aplicação subsidiária dos
costumes em matéria de Direito Internacional Público.
DOUTRINA
A doutrina, em todos os ramos jurídicos, exerce grande influência tanto
na formação dos textos legislativos como das decisões judiciais. Tal fato pode ser
percebido com maior veemência no ramo do Direito Internacional Privado, cujas
normas positivadas são portadoras de inúmeras lacunas.
Ademais, a doutrina, embora despida do prestígio político dos atos
oficiais, possui o condão de manter sempre vivos e atualizados os textos legais:
indicando a interpretação mais aceitável para determinada norma jurídica, apontando
casos de analogia e princípios gerais de direito. Esta a razão pela qual
Amílcar de Castro afirmou: Comparada a ordem jurídica a uma árvore, a doutrina pode
ser vista como elemento vital, a seiva que sobe das raízes para os ramos, restaurando-
os permanentemente, e vai apontar em seus frutos.. Realmente, a principal virtude da
doutrina é manter sempre atualizados os textos legislativos, os quais, aparentemente,
estariam superados diante da nova realidade fática decorrente do processo evolutivo.
A doutrina, contudo, não se expressa somente através de livros ou
compêndios. Podem ser utilizados como trabalhos doutrinários: a) os estudos
apresentados por institutos especializados na pesquisa do direito internacional privado;
b) as convenções internacionais ainda que não vigentes pela falta do número
necessário de ratificações, visto que são elaborados por doutrinadores do mais alto
nível.
JURISPRUDÊNCIA
Cumpre distinguir, inicialmente, decisão judicial de jurisprudência.
Decisão judicial é a aplicação, por órgãos dos Poder Judiciário, da lei ao caso
concreto; ao passo que jurisprudência é conjunto de decisões judiciais uniformes e
reiteradas proferidas pelos tribunais sobre os casos que lhe são submetidos.
É farta a jurisprudência de direito internacional privado nos países
europeus que, com a formação da Comunidade Comum Européia, integraram-se a tal
ponto que já pensam na criação de uma moeda unificada. Daí resultam relações
interpessoais que ultrapassam as fronteiras dos Estados, resultando, muitas vezes, em
conflitos que serão solucionados por uma corte supranacional Corte de Justiça das
Comunidades Européias cuja jurisprudência vincula aos Estados-membros da
comunidade.
A jurisprudência de direito internacional privado na América Latina, no
entanto, ainda é escassa, em virtude do baixo número de relações internacionais
firmadas entre sujeitos de Estados diversos, motivo pelo qual existem poucos litígios
internacionais entre particulares. Esta situação, contudo, não perdurará por muito
tempo. Com a formação do MERCOSUL, a tendência é o aumento considerável do
número de relações internacionais entre os países latino-americanos, das quais,
inexoravelmente, surgirão litígios a serem solucionados, seja por tribunais internos seja
por um eventual tribunal internacional ou, quem sabe, até supranacional.
A jurisprudência nacional, como bem lembra Jocob Dolinger,
se limita praticamente a decisões sobre homologação de sentenças estrangeiras e
exequatur em cartas rogatórias, matérias atinentes ao direito processual internacional,
a processos de expulsão e de extradição, sujeitos ao Estatuto do Estrangeiro e ao
direito penal internacional e a decisões no campo fiscal de caráter internacional. Raras
as questões em que nossas cortes têm oportunidade de aplicar o direito estrangeiro..
É assente entre os juristas a aplicabilidade, de forma subsidiária, das
jurisprudências das cortes internacionais ou estrangeiras pelos tribunais brasileiros,
desde que sejam omissa a doutrina e a jurisprudência pátria.
Embora se inclua a jurisprudência e a doutrina entre as fontes do direito
internacional privado, o mais correto seria considerá-los como parâmetros, ou
referências, para interpretação das leis, dos tratados ou convenções internacionais e,
quando aplicável, do direito consuetudinário. Isto porque, os tribunais ao exararem
suas decisões (que poderão formar jurisprudência!) não o fazem criando direito, mas
tão-somente aplicando-o ao caso concreto. Assim, as decisões judiciais (e,
consequentemente a jurisprudência) não criam direito subjetivo para as partes, mas
apenas reconhece-lhes aquele que já lhes era atribuído pelo ordenamento jurídico.
BIBLIOGRAFIA
CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado. 4ª edição. Editora Forense, Rio de
Janeiro - RJ, 1987.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 5ª edição. Editora
Renovar, Rio de Janeiro - RJ, 1997.
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática. Editora
Saraiva, São Paulo SP, 1996.
- La compétece des tribunaux a raisons dinfractions commises hors du territoire. In:
Recueil des Cours, v, XII, p. 262.
- Lições de Filosofia do Direito, p. 51.