MERCOSUL: REALIDADE E
PERSPECTIVA
Dijonilson Paulo Amaral Veríssimo
No âmbito
internacional, a Segunda metade do século XX assistiu ao
aparecimento de experiências de integrações econômica,
política e jurídica entre Estados, que embora já vividas no
século anterior, introduziram uma lenta mudança no conceito de
soberania estatal, na medida em que parcelas de competência
antes exclusivas dos Estados são atribuídas a organizações
internacionais com finalidades e formações as mais diversas.
No Continente Europeu, a experiência mais marcante é iniciada
com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação da Comunidade
Econômica do Carvão e do Aço - CECA, seguida pelas Comunidades
Econômica Européia - CEE - e Comunidade Européia de Energia
Atômica - CEEA, reunidas hoje sob a denominação de União
Européia. Essa experiência demonstraria que o movimento de
formação de blocos econômicos regionais não se limita ao
estabelecimento de laços de cooperação e harmonia entre
Estados, todavia, mais além, caracteriza-se pela formação de
um sistema de direito, com instituições, fontes, princípios e
conceitos singulares, aptos a engendrar, nas matérias sob sua
competência, uma harmonização jurídica entre os
Estados-membros. Um dos objetivos principais da consolidação
desses blocos é substituir a concorrência entre nações pela
concorrência entre regiões, havendo estratégias de defesa para
a formação de outros blocos de mercado, garantindo a
sobrevivência dos que já existem.
A integração da América Latina fora estimulada pela
Conferência Interamericana de Buenos Aires, ocorrida em 1957,
onde se havia decidido conveniência de estabelecer gradual e
progressivamente, de maneira multilateral e competitiva, um
mercado comum latino-americano. As negociações evoluíram
rapidamente, até que se instituiu, com o Tratado de Montevidéu
de 1960, a Associação latino-americana de Livre Comércio -
ALALC, formada pela Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai,
Colômbia, Chile, Equador, México e Peru; objetivava a
eliminação, até 1980, do maior número possível de
restrições comerciais entre os países membros. Vencido o prazo
estimado, em agosto de 1980, todos os países da ALALC,
acrescidos da Bolívia e Venezuela, resolveram substituí-la pela
Associação Latino-Amerinana de Integração - ALADI, que dotada
de personalidade jurídica, àquela sucedeu em direitos e
obrigações. Este último tratado, que permanece inalterado até
hoje, tem como finalidade o comércio intra-regional, a
promoção e regulamentação do comércio recíproco, através
de acordos bilaterais, a complementação econômica e o
estabelecimento de modo gradual e progressivo de um mercado comum
latino-americano. Após sucessivas tentativas de cooperação
para a formação de um mercado comum entre Brasil e Argentina,
recebendo a adesão do Uruguai e Paraguai, em 26 de março de
1991, esses quatro países constituíram o Mercado Comum do Sul -
MERCOSUL, com a assinatura do Tratado de Assunção; este fundado
na "reciprocidade de direitos e obrigações entre os
Estados-partes" e situado, formal e juridicamente, na
moldura de acordos parciais previstos pela ALADI. Em dezembro de
1994, os Estados-partes assinaram o Protocolo adicional ao
Tratado de Assunção sobre a estrutura institucional do
Mercosul, o Protocolo de Ouro Preto, o qual marcou o final do
período de transição, passando o Mercosul a possuir
personalidade jurídica de Direito Internacional. Após cinco
anos da entrada em vigor do Tratado de Assunção, foi permitida
a integração ao Mercosul de qualquer dos demais signatários da
ALADI, desde que com a aprovação unânime dos Estados-partes.
Foi o que fez o Chile e a Bolívia, tornando-se os novos
parceiros -sócios comerciais ou membros não plenos - do
Mercosul.
O Tratado de Assunção tem como objetivo principal, já
definido, o de estabelecer um mercado comum entre os seus
Estados-membros. Todavia, a estratégia que se deve adotar para
se alcançar o nível de "Mercado Comum", seguindo o
exemplo da própria União Européia, implica seguir a seguinte
seqüência : zona de livre comércio (já alcançada); união
aduaneira (estágio atual do Mercosul), em que aplica-se a tarifa
externa comum para os produtos das demais zonas, isto é, de
outros blocos ou países que não fazem parte do tratado; o
mercado comum (passo seguinte), que reúne a livre circulação
dos fatores de produção, os seja, o trabalho e o capital, tendo
como base a livre circulação de mercadorias, pessoas capitais e
serviços. Portanto, isto demonstra que os Estados-partes do
Tratado de Assunção propõem-se a criar um território
econômico comum, no qual haja a livre circulação de bens,
serviços, capitais e pessoas, estabelecendo uma política
comercial e cambial comum em relação a terceiros, promovendo o
bem estar econômico e social de seus povos.
Dentre as metas previstas pelo Tratado instituidor do Mercosul
podemos enumerar algumas já alcançadas: a eliminação de
barreiras tarifárias e não-tarifárias no comércio interzona;
a adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC); a coordenação de
políticas macroeconômicas; a livre comércio de serviços, de
mão-de-obra e de capitais. Todas procurando ampliar os mercados
através da integração como condição para se acelerar o
desenvolvimento econômico com justiça social. A TEC é vista
como o primeiro passo para a uniformização político-jurídica
entre os membros. No Mercosul, existe a Tarifa para 85% dos
produtos, mas há uma lista de exceções; em 2006 pretende-se
não haver mais exceção quanto aos mesmos.
No tocante ao campo jurídico, o que se pretende é criar um novo
Direito, de cunho Regional, adaptado ao Neoliberalismo e
integrado ao Direito Internacional, o qual também abranja a
área social. Na atual conjuntura do Mercosul, suas normas não
possuem o atributo da auto-executoriedade, dependendo de um
processo de internalização nas legislações domésticas de
cada Estado-membro. Entretanto o que se percebe é que a
tendência mundial, espelhada da União Européia, é a
superação das barreiras e o abandono da absoluta soberania
legislativa nacional, desregulamentando os modelos jurídicos de
cada Estado, surgindo o Direito Comunitário, visto como um
instrumento de integração abrigando as estruturas de
organização comunitária e as normas que regem sua operação.
Em vista do exposto, podemos afirmar que o Mercosul somente se
transformará no pretendido "Mercado Comum", depois de
efetuadas as necessárias e imprescindíveis reformas
constitucionais e alterações estruturais nos quatro países
membros, o que possibilitará a vigência de um Direito Comum
entre as partes. É importante frisar que a harmonização das
legislações está prevista no capítulo I, artigo primeiro do
Tratado de Assunção que assim versa: "O compromisso dos
Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas
pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de
integração".
Para Dalton Bertoldi, do Grupo de Estudos MERCOSUL, há, como em
qualquer organismo do porte, vantagens e desvantagens, tanto para
o Brasil, em particular, como para os demais membros. Dentre as
vantagens mencionadas estão: o Brasil conta com um grande e
desenvolvido parque industrial que supera os outros países do
bloco; a entrada de produtos dos outros países com baixo custo,
ajuda para que exista uma queda de preços já que há uma
competição pelo melhor preço e qualidade; os países do
Mercosul começarão a despertar maiores interesses para
investimentos estrangeiros fazendo com que a economia de cada
país cresça ainda mais; dentre outras. No que se refere as
desvantagens aponta algumas, como: a agricultura Argentina que
possui vantagens em relação à brasileira (solos mais
férteis); a demora decorrida do processo legislativo de cada
país (necessitando, como visto anteriormente, da uniformização
dos instrumentos jurídicos); a língua e a moeda, questões que
se não for discutida poderá tornar-se um problema para o
desenvolvimento do Mercosul etc.
No tocante a cultura, por haver vários contrates de país para
país, torna-se alvo de divergência entre os estudiosos. A minha
posição é daqueles que afirmam que o Mercosul não busca a
superação das culturas nacionais, respeitando as de cada país,
sendo um traço marcante e não constituindo um entrave para a
integração. O que se pretende é compor um mercado de trabalho,
criando formas de cooperação para que venha a ter uma maior
representação a nível internacional.
Em recente reportagem da revista Veja (3 de fevereiro de 1999)
com o título: "Surra no vizinho: crise brasileira causa
terremoto na eficiente economia Argentina". Na oportunidade,
o diretor da Fiat na Argentina, Horacio Losoviz, assustado com a
situação, afirmou que "a desvalorização no Brasil criou
uma crise de confiança no Mercosul". Isso tem a mostrar uma
das desvantagens do mundo globalizado, ou seja, o efeito em
cadeia, em que o rumo da economia de uma país pode afetar
drasticamente com a de outro, vizinho ou não. Como exemplo,
temos a Argentina, que previa um crescimento de seu PIB para 1999
de +2,5%; com a desvalorização da moeda de um de seus maiores
compradores, esse percentual decresceu para -3% (menos três por
cento).
Porém, apesar das desvantagens apontadas, o Mercosul é um dos
mais importantes blocos econômicos do mundo atual, formando o
terceiro maior mercado consumidor do mundo, em virtude de sua
peculiar posição, dimensões territoriais e demográficas dos
países-membros.
Atualmente, o governo norte-americano procura ampliar o NAFTA
país por país, evitando a sua negociação com o Mercosul,
ampliado e, em conseqüência mais forte do que os quatro países
individualmente considerados. Assim visualizando, o Mercosul,
embora não seja de fato e de direito um "Mercado
Comum", com todo os seu potencial para crescer, começa a
incomodar, sendo motivo de preocupação por parte do governo
norte-americano, pois, como bloco, poderia dificultar a
formação da Área de Livre Comércio das Américas, nos moldes
desejados pelo governo norte-americano. Além do NAFTA, a União
Européia tem oferecido cooperação financeira e técnica com os
países em via de desenvolvimento da América Latina, com alguns
instrumentos : capacitaç1ao técnica, cooperação científica;
promoção comercial e industrial, dentre outros. De qualquer
forma, a tem ela voltado uma atenção especial para o Mercosul
;verdade essa que em meados de 1995 fora firmado um protocolo de
intenções com os países deste para a instituição de uma
associação inter-regional de livre comércio, até
aproximadamente 2002. Visto posto, o Mercosul surge no interior
de um ambiente influenciado pelas novas estratégias continentais
norte-americanas, de um lado, e pela emergência do Japão e dos
países do leste asiático como poderosos ímãs, do outro. O
Nafta e a Bacia do Pacífico representam, assim, os balizamentos
essenciais que demarcam o horizonte do Mercosul.
Entretanto, apesar das dificuldades econômicas, jurídicas e
políticas peculiares a países em desenvolvimento, que buscam
sua adaptação aos tempos modernos, acredita-se que em pouco
tempo, o Mercosul exercerá papel preponderante junto aos demais
países da região, como pólo catalisador desta grande
associação dos países das Américas, em prol do
desenvolvimento do comércio internacional. Destarte, precisamos,
com a efetiva participação dos segmentos da sociedade e demais
entidades, governamentais ou não, superar quaisquer
divergências que possam impedir que o sonho de integração da
América Latina avance, trazendo vantagens ímpares para os
povos, consolidando a democracia e o acesso aos mercados
competitivos de cunho internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· HUSEK, Carlos Roberto.
Curso de direito internacional público. São Paulo: LTr,1998. 2
ed. p. 130 a 148.
· MAGNOLI, Demétrio e ARAÚJO, Regina. Para entender o
Mercosul. São Paulo: Moderna, 1994. 70 p.
· SOARES, Esther Bueno. Mercosul: desenvolvimento histórico.
São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997. p.17 a 67.
· Revista VEJA. Até onde vai o pânico. Editora Abril, 3 de
fevereiro de 1999. 1583 ed. ano 32, nº 5.
· Internet : http://www.softline.com.br/fox/mercosul
· Internet: http://www.apriori.com.br/mercosul
Dijonilson
Paulo Amaral Veríssimo
Acadêmico do Curso de Direito/UFRN
OBS: este artigo foi originalmente publicado no site: o neófito - tendo sido obtida autorização do autor para publicação nesta home page.