MULTIMODALIDADE A QUEM INTERESSA QUE NÃO FUNCIONE?
O Brasil aprovou, em fevereiro de 1998, a lei 9611 que cria a multimodalidade. Em Abril de 2000, após um "pequeno" atraso de apenas 20 meses, já que estabelecia um prazo de 180 dias para sua regulamentação, ela foi finalmente regulamentada pelo decreto 3.411.
Existe a lei, está regulamentada, porém, não funciona. Ainda não estão solucionados os problemas quanto ao seguro do OTM-Operador de Transporte Multimodal, e nem tampouco o ICMS. A primeira parece mais fácil, no entanto, a segunda, parece muito mais complicada já que a sua solução passa pela reforma tributária.
Para termos uma idéia melhor do que ocorre, basta mencionar que o OTM e a multimodalidade no Mercosul foram criados no longinqüo ano de 1995 e até hoje também não funcionam.
A pergunta que venho fazendo a mim mesmo neste tempo todo, é sobre qual o interesse no atraso da sua aprovação, regulamentação e retardamento da sua entrada em vigor.
É urgente a sua implementação de fato visto que poderá ser um dos instrumentos mais adequados para ajudar o país no crescimento das suas exportações, meta almejada por todos, e muito mais agora que parece que, finalmente, o governo acordou de fato de um sono profundo em berço esplêndido e descobriu uma das maravilhas da natureza, do comércio e da globalização: o Comércio Exterior. Também, finalmente, temos o instrumento que há anos vimos insistindo na criação, que é o nosso MINCEX-Ministério de Comércio Exterior, só que ainda, por razões políticas, com o nome de CAMEX. Com certeza é apenas uma questão de tempo. O ministro já temos.
Voltando ao multimodal, a quem interessa esta situação de morosidade na sua regulamentação e entrada em vigor? Quem está ganhando com isto? Porque em tempos de Pentium certas coisas, de interesse para todos, funcionam como Lentium?
Acredito que o país tem perdido muito com esta morosidade, e é claro, por conseqüência, todos nós, como já é de absoluta normalidade, já que passamos a vida sendo tratados e, pior, nos comportando, como cidadãos de segunda classe. Até quando seguiremos a história ao invés de fazê-la?
A multimodalidade é uma grande arma para os pequenos exportadores, que tanto precisamos introduzir no comércio exterior para aumentarmos o número de empresas exportadores e reduzirmos a dependência em relação aos grandes players. É de conhecimento geral que exportar no Brasil é muito caro e pequenas exportações ficam inviabilizadas pelos custos. Com a criação do OTM, os pequenos exportadores, e aqueles que não querem ou não gostam de se preocupar com a logística e entrega da mercadoria e, principalmente, com a negociação de fretes com os transportadores, teriam neste operador a sua grande chance de exportarem, ou importarem, inclusive com redução de custos pela quantidade trabalhada por este.
Realizada a venda e produção, estas empresas poderiam repassar ao OTM toda a responsabilidade pela carga, até o seu ponto de destino. Isto eliminaria os riscos destas empresas resolvendo, principalmente, o problema da sua falta de poder de barganha com os agentes econômicos gerais envolvidos.
Mas, afinal, qual é a atratividade da multimodalidade e qual a sua diferença com a intermodalidade? Esta é uma colocação interessante porque, por mais que não se acredite, ainda pode-se ver alguma confusão sobre estes dois termos, e temos visto a multimodalidade ser tratada como intermodalidade.
A duas não são irmãs como acreditam alguns, mas apenas primas, pois embora partam de uma mesma matriz, tomam caminhos diferenciados logo adiante.
A sua semelhança está no ponto do transporte em si, ou seja, as duas significam transporte por mais de um modal. Isto quer dizer transportar uma mercadoria do ponto de origem até o ponto de entrega por modais diferentes, por exemplo, um caminhão, um navio e um trem.
Quais são as diferenças? A intermodalidade significa, no nosso exemplo, a emissão de documentos de transporte independentes, um de cada transportador, cada um assumindo a responsabilidade pelo seu transporte. Quanto ao embarcador, a responsabilidade pela mercadoria é sua e, em havendo qualquer problema com a carga, ele deve recorrer ao seu seguro, ou contra aquele que lhe causou o dano.
Na multimodalidade, ao contrário, existe a emissão de apenas um documento de transporte, emitido pelo OTM, de ponta a ponta. Quanto a responsabilidade pela carga ela é do OTM, do ponto de partida até a entrega final ao destinatário.
Todos sabemos o quanto é importante termos a logística e o transporte definidos, e da melhor maneira para nossos interesses, principalmente num momento em que esta atividade se apresenta como das mais importantes no comércio exterior.
O atual mundo sem fronteiras não mais permite as perdas de tempo e os altos custos, e a procura pelas melhores alternativas faz da logística uma das opções de competitividade que o país tanto precisa.
Samir Keedi,
Professor, autor do livro Transportes e seguros no comércio exterior e tradutor do Incoterms 2000.
e-mail: samir@aduaneiras.com.br
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